desligo.
(ela está sentada na cama de seu quarto – de um lado do palco. do outro lado do palco ele está com roupa de astronauta. eles se falam por aqueles telefones de lata e barbante).
ASTRONAUTA: …ontem eu vi uma supernova. E, meu deus, eu queria tanto que você estivesse aqui! E então uma estrela cadente passou tão perto de mim que eu quase pude encostar, mas daí eu fechei os olhos e fiz um pedido… (silêncio). Você tá me ouvindo?
GAROTA: oi, tô sim, eu só preciso estudar…
ASTRONAUTA: quer desligar?
GAROTA: não. Tudo bem, pode continuar falando…
(silêncio)
ASTRONAUTA: hoje a nave perdeu um pouco de pressão. Achei que eu não fosse mais ouvir a sua voz…
GAROTA: hum…
ASTRONAUTA: câmbio, desligo.
(ele solta a lata e deita, como se estivesse olhando para a Terra. Ela continua com a lata na mesma posição e nem nota que ele parou de falar. Passado alguns segundos, ela boceja e o chama).
GAROTA: hei, você tá ai? Foi embora e nem falou tchau pra mim?
(ele ouve a voz dela na lata).
ASTRONAUTA: eu não te ouço mais.
GAROTA: agora? o nosso rádio tá com problema?
ASTRONAUTA: não, o rádio tá ótimo…
GAROTA: então…
ASTRONAUTA: eu não vou mais te ver.
GAROTA: como assim?
ASTRONAUTA: vou para mais longe!
GAROTA: o que? Primeiro você voa e me deixa aqui sozinha e agora diz que decidiu não voltar mais?
ASTRONAUTA: a gente se perdeu…
GAROTA: você se perdeu. E me deixou aqui no mesmo lugar! Tem ideia do quanto eu te odeio?
ASTRONAUTA: acho que não tem problema.
GAROTA: eu vou desligar.
ASTRONAUTA: tá bom.
GAROTA: tá bom? Só isso?
ASTRONAUTA: sabe o que é uma droga? Eu nem ligava tanto assim em te ter fisicamente longe, quando eu ainda sentia seu coração comigo. Mas agora não te tenho mais nem em pensamento… A gente perdeu a sintonia. E eu fiquei sozinho fora do meu planeta.
GAROTA: eu te deixei sozinha?
ASTRONAUTA: é uma merda, não é? Eu estou no espaço com toda a merda de tecnologia do mundo! Mas ainda não existe algum remédio que faça a gente se sentir menos sozinho.
GAROTA: o que isso quer dizer?
ASTRONAUTA: que eu só queria a sua voz. Só queria ouvir você me dizendo que quisesse me ver. Ou nem precisava tanto. Só queria algum sinal.
GAROTA: você sabe que eu odeio esse jogo! Eu não vou entrar na sua e chorar pra você voltar.
ASTRONAUTA: eu nunca te pediria isso.
GAROTA: e agora?
ASTRONAUTA: quando se está sozinho você tem muito tempo para pensar e fazer teorias. Eu fiz uma. Quero te contar. Eu acho que não nascemos para nos apaixonar e viver o resto da vida com alguém. Deus nos fez seres únicos. Impares. Nada de outra metade da laranja. Mas então ele resolveu brincar e nos deixar com a sensação de estarmos incompletos…
GAROTA: isso realmente é um ótimo fora…
ASTRONAUTA: não é um fora. Deus deve ter gostado da brincadeira e fez uns seres pela metade, só para se divertir mais, sabe? E fez esses seres se apaixonarem perdidamente por aquelas laranjas completas, entende? Eu não tenho dúvidas de que não sou nada sem você, da mesma forma que tenho certeza que você é perfeita sem mim. Não te falta nada. Eu vi as coisas mais lindas do universo, eu escrevi meu nome nas estrelas e não existe nada mais bonito do que o seu sorriso!
GAROTA: o que você está fazendo?
ASTRONAUTA: indo um pouquinho pra mais longe de você. Quem sabe eu não encontre Deus? E não fale umas coisas legais ao seu respeito…
(silêncio).
GAROTA: ei.
ASTRONAUTA: o que foi ?
GAROTA: cê volta?
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